terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Amálgama: O Vale da Paixão

Há já algumas semana que a "C.D." se queixa que o livro que escolheu é muito difícil e que não encontra referências nenhumas nas pesquisas que efectou.
Só aqui deixo uma referência. Há muitas mais.

Amálgama: O Vale da Paixão: "Autor: Lídia Jorge
Ano: 2009

Passada em São Sebastião de Valmares, no Algarve, a trama desenvolve-se a partir de uma visita que a narradora, de quem nunca se sabe o nome, recebe do seu tio, Walter Dias, que na verdade é seu pai biológico. Esta visita desencadeia uma profunda reflexão sobre raízes, onde o passado e o presente são baralhados, como no início de um jogo de cartas. Ao longo da história ficamos a conhecer a família Dias. Walter, o filho mais novo, revolta-se contra o atraso, o autoritarismo e o moralismo da Casa de Valmares e parte, mas paga um preço altíssimo por isso: é condenado a vagar pelo mundo, arrastando culpa e solidão. A partir desse enredo, Lídia Jorge, com mestria, ergue uma catedral de silêncios e purgações.

Excerto:
'Francisco Dias apoiou-se na mesa para não cair.Não podia ser. O trotamundos jamais voltaria. A vocação de um trotamundos era não voltar ao local de partida, a menos que não pudesse mais deambular pelo mundo, e a paragem forçada no mesmo lugar lhe lembrasse a terra donde provinha. O trotamundos, se não está com doença nem em vésperas de morrer, jamais iria voltar àquela casa.Podíamos dormir descansados, dizia Francisco Dias. Seu filho Walter contava trinta e oito anos, estava no auge da trotamundice, e por isso não viria.'

em 22:14
Etiquetas: Isabel, Isabel - livros - 2009, Livros"

Ilse Losa

Ilse Losa

Ontem o "J" apresentou o livro: "O  mundo em que vivi". Poderão recolher mais informação carregando no nome da escritora.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

ROSA LOBATO FARIAA escritora...

HOMENAGEM!
Na aula lemos a autobiografia que levou a um bom debate. Aqui fica um excerto para quem quiser...

A escritora, letrista e actriz Rosa Lobato Faria, morreu hoje, dia 2, aos 77 anos, depois de uma semana de internamento num hospital privado. Foi colaboradora (dizendo poesias) de David Mourão-Ferreira em programas literários da televisão. Autora, entre outros, dos romances Flor do Sal, A Trança de Inês, Romance de Cordélia, O Prenúncio das Águas, ou mais recentemente A Estrela de Gonçalo Enes (ed. Quasi). Publicamos aqui a 'autobiografia' que escreveu para o JL há dois anos


Quando eu era pequena havia um mistério chamado Infância. Nunca tínhamos ouvido falar de coisas aberrantes como educação sexual, política e pedofilia. Vivíamos num mundo mágico de princesas imaginárias, príncipes encantados e animais que falavam. A pior pessoa que conhecíamos era a Bruxa da Branca de Neve. Fazíamos hospitais para as formigas onde as camas eram folhinhas de oliveira e não comíamos à mesa com os adultos. Isto poupava-nos a conversas enfadonhas e incompreensíveis, a milhas do nosso mundo tão outro, e deixava-nos livres para projectos essenciais, como ir ver oscilar os agriões nos regatos e fazer colares e brincos de cerejas. Baptizávamos as árvores, passeávamos de burro, fabricávamos grinaldas de flores do campo. Fazíamos quadras ao desafio, inventávamos palavras e entoávamos melodias nunca aprendidas.

Na Infância as escolas ainda não tinham fechado. Ensinavam-nos coisas inúteis como as regras da sintaxe e da ortografia, coisas traumáticas como sujeitos, predicados e complementos directos, coisas imbecis como verbos e tabuadas. Tinham a infeliz ideia de nos ensinar a pensar e a surpreendente mania de acreditar que isso era bom.

Não batíamos na professora, levávamos-lhe flores.

Eram aulas gloriosas, em que a espuma do mar entrava pela janela, a música da poesia medieval ressoava nas paredes cheias de sol, ay eu coitada, como vivo em gran cuidado, e ay flores, se sabedes novas, vai-las lavar alva, e o rio corria entre as carteiras e nele molhávamos os pés e as almas.

Além de tudo isto, que sorte, ainda havia tremas e acentos graves.


Mas também tínhamos a célebre aula de Economia Doméstica de onde saíamos com a sensação de que a mulher era uma merdinha frágil, sem vontade própria, sempre a obedecer ao marido, fraca de espírito que não de corpo, pois, tendo passado o dia inteiro a esfregar o chão com palha de aço, a espalhar cera, a puxar-lhe o lustro, mal ouvia a chave na porta havia de apresentar-se ao macho milagrosamente fresca, vestida de Doris Day, a mesa posta, o jantarinho rescendente, e nem uma unha partida, nem um cabelo desalinhado, lá-lá-lá, chegaste, meu amor, que felicidade! (A professora era uma solteirona, mais sonhadora do que nós, que sabia todas as receitas do mundo para tirar todas as nódoas do mundo e os melhores truques para arear os tachos de cobre que ninguém tinha na vida real).

Morreu, aos 77 anos, a escritora Rosa Lobato de Faria - Expresso.pt

Morreu, aos 77 anos, a escritora Rosa Lobato de Faria - Expresso.pt